quarta-feira, março 14, 2007

Na caixa de email...

Apego e Desapego

POR DR. JOU ELL JIA*

"Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu? A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá .."

QUANDO LI A MATÉRIA no jornal, o trecho da música do Chico Buarque saiu do meu subconsciente e ficou rodando na minha cabeça pelo resto do dia. A matéria era sobre as pessoas que perderam suas casas em volta daquela enorme cratera no metrô de São Paulo. Muitas não puderam voltar para resgatar imagens de santos de devoção, fotos, cartas ou o relicário ganho de presente de casamento há cinqüenta anos. Havia depoimentos dessas pessoas somados a relatos de ex-moradores do Palace 2, aquele prédio que há alguns anos desabou no Rio de Janeiro. Algumas pessoas morreram porque voltaram para buscar objetos pessoais. Pergunto-me o que valeria a vida toda. Documentos? Roupas?

Aquele vídeo do casamento? Um quadro muito caro? Não me decido. Lembro-me então de outra notícia de jornal. Uma das atrizes do seriado americano Lost teve sua casa incendiada em Honolulu, no Havaí, logo no começo de janeiro. Perdeu todas as fotos de infância, os glamourosos vestidos de noite de gala, os diários de infância, os primeiros móveis comprados com dinheiro próprio e, certamente, alguma carta de amor. Quando perguntada sobre como estava se sentido, disse: pura.

Não me pareceu uma sentença religiosa e sequer soou como demagogia barata. Ela explicou ao repórter que depois da fase de sofrer muito, chorar e lamentar cada coisinha perdida, entendeu que aquele fogo significou um ritual de libertação. Uma maneira de entender que os ciclos da vida se fecham e que tudo é transitório. Mesmo que a gente evite acreditar nisso.

Penso em quantas vezes nós agimos assim, tentamos reter um momento específico à nossa volta, seja uma pessoa que nem nos faz mais tão felizes, ou uma caixa cheia de passado. Não que isso seja algo condenável. É apenas humano. E, às vezes, doloroso. Você já parou para pensar nisso? Já olhou naquela parte de trás do armário, onde guardamos as caixas com conteúdos que, pensamos, uma hora ou outra podem servir para alguma coisa, mas que, na verdade, nunca mais são olhados e, quando são, é apenas para lágrimas minúsculas?

O que tinha lá? Por que estava lá? O que é usado e nos faz feliz, fica à mostra na estante, na sala, no sorriso. Como no trecho do poeta Antônio Cícero "Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado."

A sensação de apego - por objetos, pessoas ou lugares - é uma prisão voluntária onde entramos para sentir segurança. Mal lembrando que o balanço é o mais forte alicerce que tem neste mundo. Claro que não podemos viver soltos, sem lembranças, ou raízes. Mas é preciso encontrar uma medida, um ponto de equilíbrio entre o que foi e o que será. Porque não podemos controlar a roda da vida. Ainda bem.

*médico de formação clássica e professor de medicina tradicional chinesa.

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5 Comments:

Blogger Mocho_ao_Luar said...

Pois, nós acabamos por estar aqui apenas de passagem: pensando nestes termos, não faz muito sentido agarramo-mos às coisas como fazemos.

Suponho que esteja um pouco relacionado com a substituição. Talvez quem tem mais falta de um prazer emocional (a presença de uma pessoa, amizades, amor...) acaba por compensar com bens materiais (os quadros, os vestidos, dinheiro e tudo mais...). e vice-versa, claro.

Gostaria de começar do zero: noutro país, noutra cidade, outra língua, outra cultura...mas a verdade é que sabe bem o conforto de que temos algo á nossa espera no país de origem. daí a nossa relutância em deitar algo fora. Temos sempre a tentação de querer guardar tudo.

o problema disto tudo é que nos apegamos demasiado ás coisas...ás pessoas e como bem dizes, acabamos por ficar presos.

bjinhosss

10:29 PM  
Blogger Apple said...

Querida Ma, este post é magistral!!

Que mais te dizer senão q "enfiei a carapuça"", serviu direitinho...ainda vou meditar melhor sobre as tuas palvras e as do poeta...

Obrigada...

Beijinhos

8:17 AM  
Blogger ma said...

mocho, não sei se concordo de todo contigo em relação a substituição, pq mtas vezes a pessoa não sofre c/ a ausência de amigos, amores ou pessoas mas msm assim se apega as lembranças através de objetos... algo a se conversar mais seriamente...
bjos pra ti!

apple,

as palavras não foram minhas (com exceção do 'vestindo a carapuça'!)
recebi por email de uma amiga minha e parece-me um artigo de alguma revista ou site, e quem o escreveu foi esse dr. Jou Ell Jia. mas tive q postar pq eu realmente vesti a carapuça e ainda depois do dia de ontem...
mas não precisa agradecer, embora seja bom saber q o texto foi de utilidade p/ vc!
bjinhos pra ti!

7:42 PM  
Blogger Mocho_ao_Luar said...

ma: claro que a toria da substituição (algo que me surgiu de repente) não será aplicável a todas pessoas. Mas sociológicamente falando acho que seria uma matéria digna de mais estudo!:)

bjsss

8:39 AM  
Blogger ma said...

mocho, na verdade acho q no campo da psicologia isso é bem trabalhado, essa noção de substituição a qual vc estava se referindo...

7:41 PM  

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