Do inevitável...
"Ela sentou em sua cama, olhando pela janela as pessoas que caminhavam pela rua ao anoitecer de mais um dia. Passos largos, mente distante, ela caminhava pelas ruas de seus pensamentos, não eram mais tão livres. Percorriam o trajeto que ela traçava, que acabava ali, naquele quarto. Ela não podia mais fugir. Ou podia, e se arrepender disso. Se entregar, confiar, correr o risco, ela não sabia fazê-lo. Mas iria tentar, mesmo que fosse a primeira e a última vez que ela o faria. Respirou fundo, sentiu uma dor no peito, como se ali estivesse toda a fonte dos seus sentimentos. Quis voltar atrás, dar um passo para trás, ignorar aonde suas escolhas a haviam levado, ficar muda, fingir que nunca havia o conhecido, que ele não havia tornado sua vidinha insustentável, que ele não havia feito ela desejar estar presa às amarras do mundo, regida pelos sentimentos comuns, pelas vidas entrelaçadas, desejá-lo apenas, e nada mais. Ela não sabia lidar com isso, e ela admitia, mesmo que fosse só para si. Ela sabia lidar com universos paralelos, vida de sonhos, andar pelo mundo distante de tudo e de todos, controlar suas ações, reações, sensações, sentimentos, sorrisos, lágrimas, sonhos, vontades, desejos. Até ele surgir em sua vida e ir tomando conta aos poucos de tudo isso. Aos poucos ela foi percebendo que não tinha controle sobre nada. E aos poucos ela percebeu que era náufrago na imensidão do mundo, mar de acaso, à deriva como todos. Sim, ele havia feito ela perceber que ela não podia governar sua vida, restringir sua existência ao caminho que ela traçava, sem sofrer qualquer influência alheia, sem estar ao sabor do vento, da maré, do mundo que existia ao seu redor e independente dela. Ela não podia prever todos os passos, existir assim simplesmente, sem sofrer as vicissitudes que todos eram passivos de sofrer. Ao desejá-lo, como nunca havia desejado antes, ela se percebeu humana, como qualquer um, mais uma, mais um corpo vagando sem rumo e sem direção. Ao desejar alguém, algo que ela nunca quis, ela conseguiu o que mais desejava: se tornar parte do mundo. Ela só não sabia que já havia se acostumado com sua existência comedida em relação ao mundo externo para seu mundo absorver toda a plenitude que transbordava dela. E era justamente isso que doía tanto: essa transição entre os dois mundos em que ela se encontrava. E ainda era cedo para dizer se ela poderia se manter em ambos, ou se ela teria que escolher entre um ou outro.
Não mais do que de repente, como se o tempo estivesse suspenso pelas tênues linhas que formam os universos paralelos que coexistem e se cruzam na impossibilidade de nossa imaginação, ela se viu ajoelhada diante de si e uma lágrima solitária, pedra preciosa de compreensão de si mesma, escorreu por ambas as faces e parou por um segundo no ar, flutuando na ausência da gravidade, das leis que regem o mundo físico, antes de repousar em suas mãos trêmulas. Trêmulas porque nesse instante único, ela criança, sentada em uma cama qualquer, em um universo qualquer, olhava para ela adulta, ajoelhada aos seus pés. Trêmulas porque nesse momento único ela havia compreendido. Compreendido que havia chegado a hora, que ela sentia próxima. Compreendido que ela estava crescendo. E esse era um movimento que ninguém, nem mesmo ela podia parar. Abriu as janelas do seu quarto e da sua alma e deixou, ao contrário de tudo e de todos, a vida sair. Sair de dentro dela e ocupar seu espaço real, expandir e se entranhar em cada ausência, preenchendo o mundo vazio, até agora. Porque agora o mundo podia senti-la, assim como ela podia sentir o mundo."
Não mais do que de repente, como se o tempo estivesse suspenso pelas tênues linhas que formam os universos paralelos que coexistem e se cruzam na impossibilidade de nossa imaginação, ela se viu ajoelhada diante de si e uma lágrima solitária, pedra preciosa de compreensão de si mesma, escorreu por ambas as faces e parou por um segundo no ar, flutuando na ausência da gravidade, das leis que regem o mundo físico, antes de repousar em suas mãos trêmulas. Trêmulas porque nesse instante único, ela criança, sentada em uma cama qualquer, em um universo qualquer, olhava para ela adulta, ajoelhada aos seus pés. Trêmulas porque nesse momento único ela havia compreendido. Compreendido que havia chegado a hora, que ela sentia próxima. Compreendido que ela estava crescendo. E esse era um movimento que ninguém, nem mesmo ela podia parar. Abriu as janelas do seu quarto e da sua alma e deixou, ao contrário de tudo e de todos, a vida sair. Sair de dentro dela e ocupar seu espaço real, expandir e se entranhar em cada ausência, preenchendo o mundo vazio, até agora. Porque agora o mundo podia senti-la, assim como ela podia sentir o mundo."

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