quarta-feira, setembro 27, 2006

Da imensidão...

I
"Sólida névoa encobria a cidade e pairava ao seu redor. Sentia-se como parte daquela neblina, sentia que eram uma coisa só. Respirava aquele ar e o sentia pesadamente leve, como ela. Olhava aquela paisagem emoldurada pela sua janela, um véu branco, lívido, mortalha da alma, libertação do corpo, desfazendo-se com a aproximação, passos sonoros, visão ausente, faz-se presente somente face a face, névoa e ela, ela e névoa, ela e ela, névoa e névoa. Reencontro mais do que esperado, duas partes de uma unidade, abraço gelidamente quente, conforto dos que se compreendem sem palavras, mãos alvas tocando carinhosamente sua face, acalentando seu coração que pulsa repetidamente por ignorar que poderia parar quando bem o quisesse e aliviar o peso de uma névoa corpórea.
Como se estivesse enfeitiçada pela beleza póstuma, reflexo de si, segue os passos inexistentes da neblina, chega à rua, agora se encontra completamente mergulhada, completamente embebida, de névoa, pequenas gotículas de lágrimas, lágrimas choradas internamente, em si. Passou a manhã caminhando pelas ruas, tentando absorver tudo ao seu redor, pedaços de si, perdidos naquele ambiente, levados pela brisa fraca que nem sequer soprava, levava vagarosamente partículas invisíveis de sensações insensíveis. Tentava se encontrar, se reencontrar mais uma vez, havia perdido o rumo em meio à tormenta em que havia se jogado, lançou-se em meio ao turbilhão de desencontros da vida comum, perdeu-se em meio à tempestade entre céu e mar, entre o mundo e ela. Agora andava calmamente por ruas sem nomes, sem formas, buscando algo imaterial em meio a tanta materialidade. Deixava seu corpo percorrer o caminho que conviesse, atraído pela névoa que estranhamente não se desfazia com o passar da hora. Percorria então, lugares conhecidos parcamente, avidamente percebidos devido à atmosfera perceptiva, casas antigas, muros altos, isolamento espacial, individualidade extrema, lares fechados para a neblina vívida que ousava, sem pressa, penetrar pelos pequeninos espaços dos portões, pelas frestas nas janelas, chegando finalmente aos olhares aturdidos dos que fogem de fenômeno único, névoa viva, desejando encobrir tudo, e em um instante surreal, névoa assumindo forma, tocar cada um desses objetos subjetivos e fazer correr a vida em suas veias, penetrando por sua pele, invadindo cada célula, explosão de movimentos sincronizados, sinfonia perfeita, expansão da alma, liberta, enfim..."
continua...
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