sábado, setembro 30, 2006

Dela...

"(...) Odiava ter que admitir que ele a influenciava mais do que ela poderia supor. Ele não sabia, mas ela era igual a todas. Ansiava por todas aquelas sensações mundanas as quais todos se entregavam. Ela o queria, ser mais humana, desejar toda a intimidade que as pessoas compartilhavam, mas aquele era um mundo distante para ela. Passou o dia a divagar sobre um mundo de cores e sons que podia ser dela, mas era tão irreal quanto aquele mundo que ela vivia. Tudo era passível de ser visto, observado, analisado, mas intocável. Chegava a achar que era o inverso: ela era intocável, impossível de ser sentida, e assim acabava por ver o mundo, seu avesso. Na verdade ela se sentia um avesso de tudo o que sonhava, mas não o era. Sabia que o mundo por si só não abraçava seus ideais. E ela era incapaz de abraçar os ideais do mundo. Era uma sensação de impotência descabida, ela às vezes pensava. Não podia se resumir ao que todos eram, mas era o que todos queriam. Agora estava em amplo processo de negação, e o que era mais importante para ela nesse momento era negar a importância dele. Resolvera dar a ele sua devida importância, a que todos possuíam na sua existência de névoa. Assim como tudo e todos, ela o queria assim: efêmero, etéreo, surgindo e sumindo na sua vida sem causar grandes movimentos e transformar suas impressões em sentimentos pesados. Queria a leveza que assumia para seu mundo, governando o que sentia por ele. Mas ele fugia do seu padrão, teimosamente. Causava estragos por onde passava, e passava por ela e ela como criança, inocentemente, queria retê-lo. Ele não sabia disso, não sabia de nada. Não sabia que no seu mundinho, ele não se encaixava e ia contra toda a liberdade regente das impressões coloridas e sonoras. Estava farta de se perder em si... (...) A culpa era dela, se alguém pudesse ser culpado pela sua incapacidade, mas ela o culpava. Se via pensando nele, e na situação que nessas horas parecia inviável. Na verdade ela era inviável, com tudo o que passava na sua imaginação fértil e mantenedora das loucuras criadas e justificadas na sua lógica irreal. Se viu então vencida pelo cansaço... O vento fraco e abafado entrava pela janela e como suas idéias, saturadas pelas vidas vazias que caminhavam pela rua e entravam pela mesma janela como ruídos quase inexistentes. O tempo brincava com seu corpo, percorria os objetos da sua casa e deitava-se no seu colo, criança esperando ser ninada. Mas hoje, ela era indiferente. Não desejou o tempo, o vento, a janela, as vidas vazias, a janela aberta, a existência fechada... Diante de si, distante de todo o resto, desejava apenas ele, indo contra tudo que assumia como seu. Ele a fazia se sentir mundana, humana... Ela já não sabia se era o que ela queria..."
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