domingo, outubro 01, 2006

Da ignorância...

"Ele deitou-se em sua cama, no escuro do seu quarto e ficou a observar as sombras que se formavam no teto. Tantas formas, que não conseguia mais distinguir o que era real e o que se formava na sua imaginação. Sentiu-se criança novamente, que nas noites insones, acompanhava o movimento bruxuleante das luzes da rua que refletiam no teto do seu quarto e o faziam imaginar mundos de lutas com inimigos mortais para salvar a sua amada. Escutava do outro lado da porta, as vozes abafadas de seus pais, que colocavam ele e seus irmãos para dormir, e conversavam assuntos de adultos. Tentava sempre escutar o que eles diziam, imaginava toda uma história para as palavras perdidas que conseguia distinguir, e se perdia novamente em novos mundos, que o faziam adormecer ao som de imagens fantásticas.
Havia muito tempo que não recordava essas brincadeiras solitárias. Lembrava-se das tardes longas que passava com seus irmãos e amigos de infância na casa de seus avós. Seu saudosismo sempre se restringiu a essas lembranças com a companhia de outros. Nunca recordava as diversas conversas que tinha consigo mesmo em uma língua só dele durante as horas que antecediam seu sono. Tanta coisa que ele havia deixado lá no fundo da sua memória, pegando a poeira dos anos, esquecida - seria proposital? - até aquela noite.
(...) Ele agora se via revirando lembranças há muito esquecidas, desejando momentos de isolamento, somente ele e ele, tentando compreender o turbilhão de pensamentos que sempre existiu, mas que ele sempre ignorou. Sempre focava seu olhar para o agora, para fora, análise do mundo ao seu redor, mais ações do que pensamentos, viver intensamente sempre. Agora queria se fechar como concha no fundo do mar, se conhecer, entender o que se passava dentro dele. Sensação incômoda essa, ele sentia. Analisar seus pensamentos, suas ações, expansão para dentro. De onde surgia essa vontade, essa necessidade, que nunca se fizera presente, pungente?
Não, era sentir-se demais. Sufocante. Pesado. Queria sentir-se leve. Levantou-se e foi bater na porta dela. Sua vizinha abriu, assustada. Logo depois, meias palavras, sorrisos do lado de dentro e do lado de fora. Alguns passos, ainda deixando no ar o peso de si, desfazendo-se com o fechar da porta e o corredor vazio de corpos e cheio de impressões.
Era leve novamente..."

1 Comments:

Blogger Apple said...

Obrigada Ma, pela visita e por suas palavras :-)

5:51 AM  

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