sábado, setembro 30, 2006

Dela...

"(...) Odiava ter que admitir que ele a influenciava mais do que ela poderia supor. Ele não sabia, mas ela era igual a todas. Ansiava por todas aquelas sensações mundanas as quais todos se entregavam. Ela o queria, ser mais humana, desejar toda a intimidade que as pessoas compartilhavam, mas aquele era um mundo distante para ela. Passou o dia a divagar sobre um mundo de cores e sons que podia ser dela, mas era tão irreal quanto aquele mundo que ela vivia. Tudo era passível de ser visto, observado, analisado, mas intocável. Chegava a achar que era o inverso: ela era intocável, impossível de ser sentida, e assim acabava por ver o mundo, seu avesso. Na verdade ela se sentia um avesso de tudo o que sonhava, mas não o era. Sabia que o mundo por si só não abraçava seus ideais. E ela era incapaz de abraçar os ideais do mundo. Era uma sensação de impotência descabida, ela às vezes pensava. Não podia se resumir ao que todos eram, mas era o que todos queriam. Agora estava em amplo processo de negação, e o que era mais importante para ela nesse momento era negar a importância dele. Resolvera dar a ele sua devida importância, a que todos possuíam na sua existência de névoa. Assim como tudo e todos, ela o queria assim: efêmero, etéreo, surgindo e sumindo na sua vida sem causar grandes movimentos e transformar suas impressões em sentimentos pesados. Queria a leveza que assumia para seu mundo, governando o que sentia por ele. Mas ele fugia do seu padrão, teimosamente. Causava estragos por onde passava, e passava por ela e ela como criança, inocentemente, queria retê-lo. Ele não sabia disso, não sabia de nada. Não sabia que no seu mundinho, ele não se encaixava e ia contra toda a liberdade regente das impressões coloridas e sonoras. Estava farta de se perder em si... (...) A culpa era dela, se alguém pudesse ser culpado pela sua incapacidade, mas ela o culpava. Se via pensando nele, e na situação que nessas horas parecia inviável. Na verdade ela era inviável, com tudo o que passava na sua imaginação fértil e mantenedora das loucuras criadas e justificadas na sua lógica irreal. Se viu então vencida pelo cansaço... O vento fraco e abafado entrava pela janela e como suas idéias, saturadas pelas vidas vazias que caminhavam pela rua e entravam pela mesma janela como ruídos quase inexistentes. O tempo brincava com seu corpo, percorria os objetos da sua casa e deitava-se no seu colo, criança esperando ser ninada. Mas hoje, ela era indiferente. Não desejou o tempo, o vento, a janela, as vidas vazias, a janela aberta, a existência fechada... Diante de si, distante de todo o resto, desejava apenas ele, indo contra tudo que assumia como seu. Ele a fazia se sentir mundana, humana... Ela já não sabia se era o que ela queria..."

sexta-feira, setembro 29, 2006

Dele...

"(...)Deixou-se mergulhar naquela sensação de euforia típica dos primeiros encontros e primeiros meses. Sabia que com o tempo isso passaria, mas ficaria então outros sentimentos, adquiridos com o tempo e com a convivência. E ele também ansiava por todos esses sentimentos. Porque era uma certeza que ela não lhe dava, e ele precisava dessa certeza. Procurava então em outras mulheres e achava que talvez conseguisse com esta, porque com ela parecia impossível. E ele não gostava de sentir essa incerteza que ela passava. Não gostava de não saber o que ela queria dizer com aquelas frases truncadas, como se existisse todo um mundo nas suas entrelinhas, o que ela sentia, o que ela realmente pensava. Tudo vindo dela parecia pela metade. Quando a forçava um pouco mais, para ver se conseguia fazer ela falar um pouco mais, percebia que ela fugia, escorria das suas mãos como areia fina. Poucas vezes ela assumia algo em relação a eles dois, e quando o fazia, deixava bem claro de que vontades e desejos são inconstantes visto que são regidos pelos homens, e dessa forma nada podiam fazer senão esperar. Para saber se a vontade continuava e não se prender a expectativas tolas. Ele queria certezas, sonhos palpáveis, comprometimento, entrega, compartilhar. Ela lhe dava tudo aquilo, mas não por inteiro. Era como se ela temesse que ele não pudesse suportar, e lhe desse um pouco de si aos poucos. Às vezes pensava que talvez ela temia que ela não pudesse suportar se dar por inteiro para alguém. Mas não podia afirmar nada em relação a ela. Achava até engraçado como ela conseguia fazer isso: entregava seu corpo sem pudor, com a naturalidade e o prazer de uma criança que aproveita cada segundo, cada momento como se não houvesse passado e futuro, um mundo inteiro ao redor, uma vida que segue independente deles. Sentia que podia possuir seu corpo, mesmo que por breves momentos, mas sentia que sua alma jamais poderia pertencer a alguém, era pássaro livre, daqueles que você admira, deseja ter por perto, mas tinha a certeza de que era um sonho distante, intocável...
Adormeceu, cansado de tentar compreender o que estava longe de qualquer entendimento. (...)"

quinta-feira, setembro 28, 2006

Do ingovernável...

"Perdida na manhã daquele dia, onde havia sido desejada loucamente até os últimos raios do sol, estava a resposta dela, caída no chão das vontades inconstantes que só preenchem os dias vazios... E ali começava mais uma fase de suas vidas, mesmo que não o soubessem, mesmo que não o quisessem, mesmo que sabendo e querendo, achassem que podiam prever o imprevisível e lidar com o ingovernável... Viviam então, ao sabor dos ventos, como todos os outros mortais. Amanhecia assim, um novo dia, em mais um dia..."

Da imensidão... II

"Tocava o até então intocável, desconhecido, ou não reconhecido, o que não tinha forma, nem sequer nome para ser chamado, o que até então não era, por não ser visto, ouvido, tocado, sentido. Agora o sabia, sua existência, mesmo que fora dos padrões da realidade e do imaginável. Mas não tocava com essas mãos pequenas, materiais, limitadas, tocava, ou melhor, tocavam-se, fundiam-se, sua alma e... Momento convergente, tudo o que compunha existência tacanha, imperfeita encontrando a imensidão de... Sensação de plenitude atrelada ao passar do tempo que proporciona a maturidade precisa para sentir, compreender e não se deixar mais levar pelo encantamento das primeiras percepções. Percebe-se, e com a serenidade adquirida com a maturidade, absorve-se todo o possível, tudo que possa ser contido por matéria tão imediatista, sujeita a distorções constantes, capacidade mínima de compreensão. Lá ia ela, distante dos olhos do mundo, sumindo em meio ao mar etéreo que aos poucos se desfazia com os raios de sol que penetravam insistentemente por entre as sensações de eterna duração, encobrindo qualquer facho de luminosidade que tentasse escapar por entre os poros de parede antes impenetrável. Agora era possível ver seu corpo indo em direção desconhecida, personificação da efemeridade humana, enquanto sua alma desfazia-se com a névoa, para talvez assumir novamente forma, condensação de pensamentos e sentimentos livres por momentos como aqueles, impossibilidade de prever o novo rearranjo, como sua alma se encontraria depois de brevemente longa ausência. Ao abrir a porta de sua casa, ao voltar para a realidade indiferente do mundo, seu corpo já havia reencontrado sua alma, e ela, tal fonte tímida, havia tornado-se rio caudaloso, e após retenção natural, encontrava seu caminho por entre pedras e seguia seu destino rumo ao mar. Expandia-se novamente, apesar de toda ação contrária, apesar de todas as marcas deixadas por tamanha ousadia, vida inerente à morte, expansão inerente ao espaço limitado, alma inerente ao corpo, ela inerente a si... Era névoa novamente..."

quarta-feira, setembro 27, 2006

Da imensidão...

I
"Sólida névoa encobria a cidade e pairava ao seu redor. Sentia-se como parte daquela neblina, sentia que eram uma coisa só. Respirava aquele ar e o sentia pesadamente leve, como ela. Olhava aquela paisagem emoldurada pela sua janela, um véu branco, lívido, mortalha da alma, libertação do corpo, desfazendo-se com a aproximação, passos sonoros, visão ausente, faz-se presente somente face a face, névoa e ela, ela e névoa, ela e ela, névoa e névoa. Reencontro mais do que esperado, duas partes de uma unidade, abraço gelidamente quente, conforto dos que se compreendem sem palavras, mãos alvas tocando carinhosamente sua face, acalentando seu coração que pulsa repetidamente por ignorar que poderia parar quando bem o quisesse e aliviar o peso de uma névoa corpórea.
Como se estivesse enfeitiçada pela beleza póstuma, reflexo de si, segue os passos inexistentes da neblina, chega à rua, agora se encontra completamente mergulhada, completamente embebida, de névoa, pequenas gotículas de lágrimas, lágrimas choradas internamente, em si. Passou a manhã caminhando pelas ruas, tentando absorver tudo ao seu redor, pedaços de si, perdidos naquele ambiente, levados pela brisa fraca que nem sequer soprava, levava vagarosamente partículas invisíveis de sensações insensíveis. Tentava se encontrar, se reencontrar mais uma vez, havia perdido o rumo em meio à tormenta em que havia se jogado, lançou-se em meio ao turbilhão de desencontros da vida comum, perdeu-se em meio à tempestade entre céu e mar, entre o mundo e ela. Agora andava calmamente por ruas sem nomes, sem formas, buscando algo imaterial em meio a tanta materialidade. Deixava seu corpo percorrer o caminho que conviesse, atraído pela névoa que estranhamente não se desfazia com o passar da hora. Percorria então, lugares conhecidos parcamente, avidamente percebidos devido à atmosfera perceptiva, casas antigas, muros altos, isolamento espacial, individualidade extrema, lares fechados para a neblina vívida que ousava, sem pressa, penetrar pelos pequeninos espaços dos portões, pelas frestas nas janelas, chegando finalmente aos olhares aturdidos dos que fogem de fenômeno único, névoa viva, desejando encobrir tudo, e em um instante surreal, névoa assumindo forma, tocar cada um desses objetos subjetivos e fazer correr a vida em suas veias, penetrando por sua pele, invadindo cada célula, explosão de movimentos sincronizados, sinfonia perfeita, expansão da alma, liberta, enfim..."
continua...

terça-feira, setembro 26, 2006

Do inevitável...

"Ela sentou em sua cama, olhando pela janela as pessoas que caminhavam pela rua ao anoitecer de mais um dia. Passos largos, mente distante, ela caminhava pelas ruas de seus pensamentos, não eram mais tão livres. Percorriam o trajeto que ela traçava, que acabava ali, naquele quarto. Ela não podia mais fugir. Ou podia, e se arrepender disso. Se entregar, confiar, correr o risco, ela não sabia fazê-lo. Mas iria tentar, mesmo que fosse a primeira e a última vez que ela o faria. Respirou fundo, sentiu uma dor no peito, como se ali estivesse toda a fonte dos seus sentimentos. Quis voltar atrás, dar um passo para trás, ignorar aonde suas escolhas a haviam levado, ficar muda, fingir que nunca havia o conhecido, que ele não havia tornado sua vidinha insustentável, que ele não havia feito ela desejar estar presa às amarras do mundo, regida pelos sentimentos comuns, pelas vidas entrelaçadas, desejá-lo apenas, e nada mais. Ela não sabia lidar com isso, e ela admitia, mesmo que fosse só para si. Ela sabia lidar com universos paralelos, vida de sonhos, andar pelo mundo distante de tudo e de todos, controlar suas ações, reações, sensações, sentimentos, sorrisos, lágrimas, sonhos, vontades, desejos. Até ele surgir em sua vida e ir tomando conta aos poucos de tudo isso. Aos poucos ela foi percebendo que não tinha controle sobre nada. E aos poucos ela percebeu que era náufrago na imensidão do mundo, mar de acaso, à deriva como todos. Sim, ele havia feito ela perceber que ela não podia governar sua vida, restringir sua existência ao caminho que ela traçava, sem sofrer qualquer influência alheia, sem estar ao sabor do vento, da maré, do mundo que existia ao seu redor e independente dela. Ela não podia prever todos os passos, existir assim simplesmente, sem sofrer as vicissitudes que todos eram passivos de sofrer. Ao desejá-lo, como nunca havia desejado antes, ela se percebeu humana, como qualquer um, mais uma, mais um corpo vagando sem rumo e sem direção. Ao desejar alguém, algo que ela nunca quis, ela conseguiu o que mais desejava: se tornar parte do mundo. Ela só não sabia que já havia se acostumado com sua existência comedida em relação ao mundo externo para seu mundo absorver toda a plenitude que transbordava dela. E era justamente isso que doía tanto: essa transição entre os dois mundos em que ela se encontrava. E ainda era cedo para dizer se ela poderia se manter em ambos, ou se ela teria que escolher entre um ou outro.
Não mais do que de repente, como se o tempo estivesse suspenso pelas tênues linhas que formam os universos paralelos que coexistem e se cruzam na impossibilidade de nossa imaginação, ela se viu ajoelhada diante de si e uma lágrima solitária, pedra preciosa de compreensão de si mesma, escorreu por ambas as faces e parou por um segundo no ar, flutuando na ausência da gravidade, das leis que regem o mundo físico, antes de repousar em suas mãos trêmulas. Trêmulas porque nesse instante único, ela criança, sentada em uma cama qualquer, em um universo qualquer, olhava para ela adulta, ajoelhada aos seus pés. Trêmulas porque nesse momento único ela havia compreendido. Compreendido que havia chegado a hora, que ela sentia próxima. Compreendido que ela estava crescendo. E esse era um movimento que ninguém, nem mesmo ela podia parar. Abriu as janelas do seu quarto e da sua alma e deixou, ao contrário de tudo e de todos, a vida sair. Sair de dentro dela e ocupar seu espaço real, expandir e se entranhar em cada ausência, preenchendo o mundo vazio, até agora. Porque agora o mundo podia senti-la, assim como ela podia sentir o mundo."

segunda-feira, setembro 25, 2006

Das impressões...

"(...) A folha em branco, leve, límpida, alva, sonho abstrato na racionalidade e idéias concretas que partiam dele. Aos poucos, riscos insípidos, tímidos ganhavam espaço e força até a segurança das mãos ditar não mais relutante as formas de um corpo feminino que ganhava vida. Ele aos poucos sentia que também ganhava vida, pulsando em suas veias, latente entre seu corpo e a imagem que assumia a capacidade de ir além da simples figura acinzentada. Cinza eram as sensações do mundo. Ali dentro, daquela sala, naquela mesa, daquele homem, o cinza das curvas pulsantes, as sombras que formavam o corpo seminu, ganhavam matizes de cores cujas tonalidades iam do prazer puramente visual ao toque quase sentido com a respiração quase ofegante. Ao cair da noite, ele se viu caindo em si. Tinha tanto tempo que não se rendia a esses momentos que nem se lembrava mais. Desejou que durasse mais, essa sensação boa, de não pertencer ao mundo, e o mundo não pertencer a ele. (...)"

domingo, setembro 24, 2006

Da saudade...

"Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade de um filho que estuda fora. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa. Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã. Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter. Saudade é basicamente não saber.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia. Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada; se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial; se ela aprendeu a estacionar entre dois carros; se ele continua preferindo Malzebier; se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados; se ele continua cantando tão bem; Saudade é não saber mesmo! Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos; Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento; Não saber como frear as lágrimas diante de uma música; Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer. É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer; Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler... "

Texto publicado no Jornal "O Globo"
por Miguel Falabella

Da natureza das coisas...

"O sol lá fora se encontra encoberto pelas nuvens levemente pesadas que navegam seguindo uma rota imaginária... Mas sua luz atravessa esse manto quase inexistente e chega aos meus olhos e ao mundo ainda capaz de nos cegar. Ou será que já não nos encontramos cegos? Cegos pela escuridão luminosa presente em nós, a escuridão do nosso egoísmo, do nosso egocentrismo, da nossa corrupção, da nossa solidão, a nossa escuridão paradoxal, capaz de nos elevar até que esta se consuma e imploda em uma fonte luminosa... Por um breve instante é possível perceber que talvez nós sejamos o que tanto tememos: anjos caídos do paraíso, lidando com o pior que existe em nós e tentando aceitar e enxergar toda a potencialidade presente na pureza perdida em meio a podridão pertencente a nós..."

sábado, setembro 23, 2006

"Porque a gente não aprende... A gente se acostuma..." II

"Os seis meses não passaram só para ela, mas para ele também. E assim como nela, o tempo deixou marcas nele, ele também sofreu mudanças pequenas, sutis e tão decisivas quanto as dela. Passou rápido também, acumulou-se nas conversas de bares, nas noites, algumas tranqüilas, outras mal dormidas, nos dias de trabalho, (...), mais noites mal dormidas, na rotina, no dia-a-dia.
Ele sentia falta da subjetividade presente nos detalhes relativos a ela. Mas era saudade que dava e ia embora rápido, porque ele não alimentava. Mas era saudade doída, de possibilidades, do que poderia ter sido se... Mas calou-se. Manteve silêncio porque não sabia o que dizer, porque queria lhe dar espaço, porque queria lhe dar o direito de ir mais a fundo, falando o que quisesse, ou deixar como estava. Só que ocorreu o que ele não podia supor: ela calou-se e permaneceu calada. Na verdade, ele deveria supor porque vindo dela, silêncio nunca era demais. Mas não sabia o porquê de tal silêncio, então não ousou dar outro passo. E foi quando ele viu que ela foi se afastando, cada vez mais, até não mais se falarem, até ele não saber mais nada acerca dela. Silêncio completo. Fez falta, as palavras escassas, os comentários, os encontros mais escassos, o olhar, que ficava marcado na memória, na pele... Mas passou, ele esqueceu aos poucos, ela havia se transformado em uma lembrança, intocável... Ele aprendeu assim, como a esquecer dela, esquecer daquelas sensações que o convívio com ela traziam. Mas aprendeu também a calar-se e observar apenas, quando todos falavam. Foi-se seis meses e às vezes algo pequeno, um gesto, uma palavra, uma imagem o faziam lembrar dela, mas isso também era raro, e na maior parte do tempo, passado e presente, ela permaneceu lembrança escondida na gaveta mais funda, para não doer demais..."

sexta-feira, setembro 22, 2006

"Porque a gente não aprende... A gente se acostuma..."

"(...) Entristeceu-se ao perceber que meio ano da sua vida podia se resumir a algumas linhas gerais, nada de diferente. (...)
(...)
Apesar das horas acumuladas em seu corpo, sinal que o tempo também deixava marcas, sutis, mas marcas, não só na sua mente, ou talvez sim, só na sua mente, e esta sim, deixava marcas no seu corpo, algumas manias continuavam as mesmas. Ela continuava fechada em seu mundo, mergulhada nas suas idéias, divagando sobre suas ações e seus pensamentos, ignorando sua independência e indiferença em relação às coisas ao seu redor, observando a imensidão de corpos vagando pelas ruas e vivendo suas vidas, e escrevendo, escrevendo... E ela sempre voltava no mesmo ponto, pensando nele e como haviam mantido contato durante um longo tempo, os encontros, as expectativas, tolas, mas expectativas, e o silêncio... Logo após aquele texto absurdo que ela havia escrito para ele, tentando mostrar um pouco do seu mundo. Depois disso não se falaram mais. Fez-se silêncio, profundo, e ela sem saber a razão, respeitou seu direito de calar-se e calou-se também. Não foi fácil para ela no princípio, pensava nele, sentia vontade de escrever, fazer um comentário interessante sobre a nova peça de teatro que assistiu e lembrou dele, as pequenas coisas rotineiras, a saudade de saber que ele estava lá, mas ela nada mais sabia. E a saudade cresceu, cresceu e ficou tão grande, insustentável, pesou sobre ela, tornou-se insuportável, doeu, bem lá no fundo, até ela dar um basta. Decidiu-se por deixar aquela saudade escondida, presa, para não causar mais estragos do que já havia causado e continuava a causar. Demorou alguns meses até ela se acostumar com a ausência das palavras dele, e passou a aceitar que havia acabado. Ou talvez nem tivesse começado. De qualquer forma, acostumou-se. E passou a lembrar dele como apenas mais uma memória, de algo que não fluiu, que foi interessante enquanto existiu, mais alguém que passou pela sua vida, ficou um período, e foi-se, passou. Lembrava dele sem expectativas ou esperanças acerca deles dois, porque era isso que doía nela, e lembrava dele como mais uma tentativa de se inserir no mundo, de confiar nas pessoas, tentativa frustrada.
Seis meses haviam se passado e um olhar rápido veria que nada aconteceu... Mas perdido mais alguns instantes observando esses seis meses, seria possível ver as mudanças pequenas, sutis, mas decisivas, que ocorreram durante tão pouco tempo."

quinta-feira, setembro 21, 2006

9 de janeiro de 2002...

"Há dias e dias. Dias em que você sente aquela alegria sem razão nenhuma. E dias em que você sente aquele aperto no peito como se não coubesse tanta coisa em um pedaço de carne e um projeto de vida.
Anda difícil escrever como antes. As palavras corriam de meu cérebro para minhas mãos em um instante e meus pensamentos atropelavam minha desajeitada escrita, jorrando versos e ideais de uma alma em expansão. Aonde anda essa alma agora? Não há mais um novo mundo mostrando sua inocência e contradições, sonhos e possibilidades. Hoje existe a realidade, esperando que eu dê meu passo e admire estupefata suas conseqüências. Hoje há uma alma que procura seu lugar no mundo, uma alma que não quer deixar sua cadeira vazia, que deseja ser lembrada com saudades nos corações de quem a conheceu. Há hoje o elo perdido do espírito do mundo. Fecharam as portas dos jardins do paraíso e abriram caminho para um individualismo egoísta. E quem irá se arriscar a percorrer os tortuosos caminhos da verdadeira felicidade, da paz, do amor, da humildade? Quem se dispõe a ser apedrejado, crucificado, esquecido? Quem ama suficientemente esse mundo distorcido, deturpado? Quem ainda consegue ver o amor, a esperança nos corações de poucos que ainda se lembram do paraíso perdido? Quem tem forças para se levantar e fazer o que poucos ousaram fazer em nome de algo maior, em nome da felicidade do todo? Todos nós."

quarta-feira, setembro 20, 2006

...

Se tudo que poderia vir a ser fosse, nada mais restaria além de tudo. Se nada que poderia vir a ser não fosse, tudo mais restaria além de nada. E tudo e nada, e nada e tudo soam como o porvir. Por estar, por não estar, por ser, por não ser, a impossibilidade das coisas contida na possibilidade ínfima do se. Restando o vazio do que não pode ser contido em tão pequenina palavra, restam mais improbabilidades do que as prováveis formas geridas durante o escorrer da vida.
No descompasso disforme da existência moldada em padrões pré-estabelecidos perde-se o equilíbrio e o senso de estabilidade ao presenciar o inverso de tudo o que se tenta compreender. São mais do que imagens invertidas, mais do que corpos e percepções viradas do avesso. É a consciência distorcida voltando ao estado inicial, livre de qualquer interferência externa. É o reflexo de si, diante de todos, exposto aos olhares alheios, descoberta tardia, atordoante.
É a calmaria em meio a turbulência dos pensamentos, que ao rodopiarem em torno de si mesmos, encontram o fluxo constante que permite o nexo da dinâmica outrora extenuante. E quando parece formar a sentença final, perfeita e completa, desconstrói-se...

terça-feira, setembro 19, 2006

Leve impressão de Clarice...

"Fim-de-semana para descansar. A rotina do trabalho a consumia. Resolveu começar seu descanso logo cedo, chegando na praia e evitando assim muita exposição, muita gente falando, olhando, comentando quem é interessante naquela massa de corpos seminus, expostos como em uma vitrine. Foi cedo, sozinha, nas primeiras horas do dia. Levou seu papel e lápis para escrever enquanto, sentada, observava o mar. Não queria perder a oportunidade de encontrar um daqueles momentos e ele se perder novamente. Mas nada aconteceu. Ela sabia que era assim. As idéias iam surgindo aos poucos, e aos poucos elas iam crescendo em forma e conteúdo, até jorrarem aos borbotões diante da sua perplexidade. Às vezes ela esquecia de que quando lhe era permitido se deixar levar perdia a noção do tempo e do espaço, e se perdia entre seus pensamentos e as palavras que se formavam no papel. Deixou então que as palavras, por vontade própria, decidissem por se expor. Caprichosas como elas eram, provavelmente não tinham amanhecido como ela. Não se incomodava em esperar.
Levantou-se e foi de encontro ao mar. Vagarosamente... Como menina tímida e orgulhosa que não consegue admitir que sentiu saudades do namorado, como se ela não tivesse desejado aquele momento, sonhado dia após dia, noite após noite. Vai se aproximando devagar, demonstrando naturalidade incomum diante da presença tão esperada. Chega então... Aquele primeiro instante: o abraço do reencontro, a saudade parece que não cabe em um coração tão pequeno, não consegue olhar nos olhos, assim, tão pertinho, então abraça, sente o cheiro do corpo que tanto fez falta, tanto fez suspirar, fecha os olhos, espera que esse momento perdure a eternidade do seu ser, deseja tanto isso que precisa abrir os olhos, ver se é real, abaixa o olhar, olha para o nada, olha para dentro, menina feliz, felicidade sem fim, até o fim... Era assim que ela se sentia toda vez que seus pés chegavam assim tão perto, e recebiam as primeiras ondas do mar, quebrando... Peito parecia explodir, coração crescia tanto que não cabia nele. Sabia a cerimônia toda: a espera, a aproximação, o temor, o verdadeiro encontro, explosão de alegria e dor... Seus pés, banhados pelas ondas, mergulhados naquela mistura de areia e mar, alma banhada em lágrimas, mergulhada naquela mistura de alegria e dor... Queria ir mais longe, deixar todo seu corpo submerso naquele líquido salgado e brilhante, estaria falando do mar diante de si ou do mar dentro de si? Falava dos dois, que talvez pudessem ser um só, ligados por ela... Talvez isso explicasse tantas sensações diante de algo tão banal aos olhos de fora...
A vontade de escrever foi surgindo, as palavras acordaram com o sol brilhando na água como pequenas pedrinhas brilhantes e leves, leves dançavam ao sabor do vento e o movimento da água... Acordaram com o som das ondas quebrando na beira da praia, criança que não sabe se vai ou se vem, chega perto, sorri, faz um carinho, volta... Acordaram com os pés mergulhados na imensidão verde-azul sem fim, sem fim porque ia até onde os olhos não viam e quando parecia acabar aos olhos do mundo continuava nela... Voltou, sentou, escreveu... Como se seu corpo inteiro estivesse mergulhando naquele mar todo, como se ela estivesse mergulhando em si, no mar da alma... Pois aquele reencontro havia sido o prenúncio do que estava por vir. Escreveu como nunca havia escrito antes, estava conhecendo uma parte dela que até agora se mostrara muito pouco. Sentiu-se criança novamente: pela primeira vez conseguira registrar um momento, e ele estava dispersando no ar quando ela, no primeiro salto da sua vida, pegou com suas próprias mãos um pequeno pedaço de si, um pequeno pedaço do mundo... Era apenas o começo, ela pensou, mas era uma impressão única, marcada na sua alma por toda a sua existência... E agora, no papel, diante dela, ela podia se sentir mais real..."

segunda-feira, setembro 18, 2006

Um mês antes da partida... Em cinco tempos...

I

De repente o sol lá fora já não é capaz de exercer sua majestade como outrora. Restou apenas a sombra do que um dia foi e nada mais. Nada mais além do seu fantasma, um satélite pálido, uma lua esquálida, tentando em vão iluminar os corpos inertes, vagarosamente desencontrando-se em suas órbitas inexistentes.
II

De repente o sorriso transformou-se em lágrimas, escondidas sob o olhar reprovador de uma auto-afirmação complacente. E como jamais ousaram derramar-se sobre o mar de sonhos partidos em fragmentos estelares, perderam-se entre os olhos e o desejo de liberdade.
III

De repente as mãos que percorriam o contorno da face das suas querências, não mais encontraram seu repouso e viram-se perdidas entre a frieza de sua possuidora e a ausência do seu toque. Não restando nada mais além de suas preces em vão, tornaram-se insensíveis às palavras que partiam de si.
IV

De repente as palavras perderam todo seu peso, toda a verdade contida em seus meandros, equivalendo ao vazio de quem as pronunciavam. Ficaram submersas na placidez da mediocridade e da ignorância, esquecidas como uma lembrança triste e indesejada. Adormecidas esperam que sejam suspensas pelo movimento natural dos pensamentos.
V

De repente diante do reflexo opaco de um corpo entregue aos anos que não passaram, caiu o véu da sua noite, e o brilho da maturidade foi absorvido pelo olhar atento aos movimentos externos. Aguarda-se o momento em que o equilíbrio seja refeito e luz e escuridão se fundam em um novo universo de momentos.

domingo, setembro 17, 2006

Diário de Bordo

Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2006, 20:36 pm.

Apesar de ainda estar em fase de teste está aberto oficialmente o blog Diário de Impressões. Ainda é cedo p/ falar onde chegaremos, mas já estamos em alto-mar...

Partindo...

Ainda em fase de teste...
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